O esquenta de domingo da Grande Rio, em Duque de Caxias, virou o melhor trailer do Carnaval 2026: Virginia Fonseca — influenciadora digital, católica declarada e rainha de bateria estreante — subiu no palco cercada de alfas, baianas e mestre-sala e, no meio do samba-enredo, soltou um ponto cantado para Nanã, dançando o refrão como quem está no bailão do TikTok. O vídeo correu o feed em menos de 24 h, transformando a noite de ensaio numa mini-série de comédia: de um lado, fãs hipnotizados pela coreografia; de outro, internautas “intrigados” porque a moça que já foi funkeira, “Maria-chuteira” e alvo de faxina moral nas redes hoje recebe aplauso das mesmas tias que juram não gostar “desse tipo de coisa”.
A escola vai levar para a Sapucaí o manguebeat pernambucano — maracatu, rock, hip-hop e eletrônica — e resolveu abrir os trabalhos com um canto de umbanda que fala justamente do mangue como símbolo de renovação. Virgínia, que até então só tinha mostrado trechos de samba no stories, entrou no jogo cultural sem frescura: aprendeu o passo base com a ala de baianas, gravou o refrão no carro com o filho no banco traseiro e topou vestir o adereco de penas sem questionar origem ou liturgia. O resultado é um esquenta que entrega duas atrações numa só: o tradicional “taste” do samba-enredo e o entretenimento puro de ver uma digital influencer cruzar a ponte entre o terreiro e o trending topics.
Quem ganha com essa mistura é o público que não está nem aí para rótulo: acompanha o desfile pela TV, ri dos memes no Twitter, baixa o som no Spotify. A Grande Rio, que já havia chamado Alcione e Zeca Pagodinho para ensaios, agora coloca no centro da discussão a própria oxigenação do Carnaval — usar a força dos influenciadores para puxar novos olhos sem trair a raiz. Do lado de fora, a polêmica rende frases de efeito (“Agora vai ter Exu no meu FYP?”), mas, dentro da quadra, o que se vê é pura diversão: criança no colo da mãe batucando, avó rezando de olho fechado e o mestre-sala ensinando o público a girar sem pisar no pé do colega.
O diferencial, no fim, é esse convite à experimentação sem culpa: quem nunca pisou num terreiro conhece Nanã pelo beat do surdo; quem nunca assistiu a um ensaio de bateria descobre que ponto cantado cabe em qualquer playlist. Virgínia, com seu jeito de “tigrinho” desengonçado, só acelerou o encontro. Se o Carnaval é o grande equalizador cultural do Brasil, a Grande Rio já mostrou que pode começar em dezembro, no calor do esquenta, sem precisar esperar a Quarta-Feira de Cinzas.